O aprendiz na Internet
Análise do Artigo:
Lucena, M (1998). Comunidades Dinâmicas para o Aprendizado na Internet. In Revista Brasileira de Informática na Educação – Número 2 (p. 106-114)
Ideias principais da autora
Lucena (1998) defende que a Internet tem papel de armazenamento de informação, em constante atualização. Onde especialistas divulgam a seu conhecimento, aprendem e se encontram com outros indivíduos interessados em obter esse conhecimento. Este facto tem como consequência a mudança do paradigma educacional como tradicionalmente conhecemos, utilizando novos recursos tecnológicos de formas também inovadoras.
Todo o processo de ensino e aprendizagem tem novas conceções, ambientes e comunidade, referida pela autora de Comunidade Dinâmica para o Aprendizado.
Foi criado um espaço intelectual maior do que seria possível sem os computadores, onde as informações são manipuladas e onde é formado conhecimento mais rapidamente e com objetivos mais amplos. Destaca ainda que o espaço ilimitado da Internet torna o espaço da sala de aula pequeno para o acesso e desenvolvimento dos professores e alunos.
A autora sugere alguns aspetos a ter em conta para que este benefício seja possível na Educação: cooperação interdisciplinar, compartilhamento de conhecimento, socialização e especialização. Estas ideias são desenvolvidas ao longo da sua proposta.
Teorias/autores em que a autora se apoia
Win (1993, por Lucena, 1998) desenvolveu o modelo de Desenho Instrucional, no qual a autora se apoiou referindo que deve ser reexaminado. Esta indicação destaca o recurso Internet e as suas potencialidades.
Lucena & Forman (1991) identificaram o conceito de nova Sociedade da Informação, apoiado pelo movimento construtivista, nomeadamente pela teoria sócio-histórico-cultural de Vygostsky (1987). Esta sociedade é constituída por professores que são especialistas em educação e adaptam os seus métodos e objetivos aos alunos, seus interesses e vivências. Há, assim, um novo papel social, também defendido por este autor. Onde todos os participantes são pares e beneficiam disso, levando a cabo um projeto cooperativo na Internet, proposto por Lucena (1998).
Os novos ambientes de aprendizagem criados são vistos como comunidades de aprendizagem, referido por Wilson (1997). No qual a autora também se apoia para explicar a interação dinâmica existente. Pela organização e o apoio mútuo. Pelos objetivos predefinidos e pelo cumprimento de tarefas definidas em conjunto.
A teoria construtivista é também apoiada com base em Scardamalia & Bereiter (1994). Que defendem que todos os intervenientes partilham ideias, experiências e conhecimentos, sendo essa a fonte da aprendizagem. Tenta, desta forma, explicar a mudança de paradigma educacional por si defendida. Onde o aprendizado pensa sobre o seu pensamento, sobre o seu processo de ensino e aprendizagem (metacognição).
Práticas pedagógicas
A autora propõe determinadas características para as Comunidades Dinâmicas para o Aprendizado. São sustentadas pelas práticas pedagógicas já implementadas por Lerner (1993), Clunie & Lima (1996) e outros não referidos. Com estas práticas a autora identifica um sistema de organização complexo em sala de aula. Onde se inserem inovações pertinentes e aplicáveis à nova realidade da tecnologia educacional e seus novos ambientes de aprendizagem.
Grupos
Para compreender o comportamento de grupos, inserido na proposta da autora, com base em Cole & Nast-Cole (1992), identificam-se três níveis de compreensão: individual, interpessoal e grupo. A autora identifica a compreensão a nível individual como dominante e tendenciosa, condicionando assim o entendimento da dinâmica de grupo.
A teoria de Ancona (1987) sobre as dimensões psicológicas dos grupos é utilizada pela autora. Para identificar as relações possíveis de grupo de duas ou mais pessoas, sua comunicação, desenvolvimento de papéis e normas próprias do grupo.
A autora refere Marca & Block (1992) para identificar os diferentes tipos de grupos. Formais ou informais, centralizados ou descentralizados, estruturados e não estruturados, orientados para o trabalho ou para atividades sociais e outros.
É notório que a Teoria Construtivista é a base do pensamento de Lucena na proposta que apresenta sobre as Comunidades Dinâmicas para os Aprendizados na Internet.
Desenvolvimento da proposta da autora
Para que a mudança do paradigma educacional tenha sucesso e aplicabilidade, a autora sugere alguns aspetos a ter em conta. Um dos aspetos desenvolvidos é a natureza das Comunidades Dinâmicas para o Aprendizado em projetos cooperativos na Internet. Categorizou essa natureza referindo as seguintes características:
Distribuição de controlo dos resultados da aprendizagem, com todas as decisões tomadas com o acordo de todos, aprendizes e professores, e suas perspetivas.
Compromisso com a geração e compartilhamento do novo conhecimento, conforme a teoria de Vygostsky sobre os pares e seus papéis sociais, onde todos beneficiam do projecto cooperativo.
Atividades de aprendizado flexíveis e negociadas, que podem ser adaptadas por outros ou enriquecidas por aprendizagens anteriores.
Membros autónomos da comunidade, com espaço próprio para divulgação do seu trabalho e contacto com o trabalho dos outros. Por exemplo, listas de discussão (Listserv) ou locais para armazenar informação (Gophers ou www).
Incentivo ao trabalho cooperativo, adoptando o multiculturalismo e boas definições estruturais (objetivos, etapas, etc.).
Requisitos
Após alguns estudos, Lucena identificou certos requisitos para que a participação nos projetos cooperativos na Internet seja possível. Passando aqui a transcrevê-los como propostos. Capacidade de adaptação a condições locais que evoluem com o tempo. Criatividade e inovação. Cruzamento entre fronteiras de métodos e de disciplinas tradicionais. Apreciação de diversidades, multi-perspetivas e temas ligados ao conhecimento epistemológico. Responsabilidade pessoal para diagnosticar necessidades de aprendizagem, por parte de todos os participantes.
A participação neste tipo de comunidade, num ambiente de aprendizagem cooperativa, contempla mais habilidades metacognitivas. Quem não as tem, é ajudado naturalmente por quem tem mais facilidade. Isto acontece se as atividades forem bem estruturadas. A autora propõe a utilização do correio eletrónico e a navegação em sites como facilitadores de resolução de problemas. Como incentivo à participação individual, consideradas participações informais.
Ambiente modificado
Com o ambiente de aprendizagem em modificação, a autora sugere a compreensão do comportamento de grupos também sob uma nova perspetiva, considerando variáveis humanas, não previsíveis. Apesar de considerar os três níveis de análise de comportamento (individual, interpessoal e grupo), a autora defende que a explicação de determinados comportamentos de um grupo é predominantemente analisada a nível individual. Sugere também que os conceitos de dinâmica de grupo devem ser tidos em conta para esta análise.
Dimensões psicológicas
Segundo Ancona (1987), a autora considera dimensões psicológicas que originam a existência de grupos: compartilhamento de experiências, comunicação e compreensão mútua, a troca de informações, a distribuição dos papéis a desempenhar por cada um e o desenvolvimento de normas próprias criadas pelo grupo (norming). Estes são vistos como estágios de desenvolvimento do grupo, incluindo-se também a formação e o pensamento em voz alta (storming).
Os grupos são comparados com “organismos vivos”, que não são estáticos e modificam-se com o tempo, como um todo e não somas das várias partes que o constituem. Todos os participantes, seus papéis, características do grupo e tudo o que o constitui se alteram, bem como o líder e a estruturação que o envolve.
Novo paradigma
Com novo paradigma e novos ambientes de aprendizagem, Lucena considera uma interação na referida comunidade onde deve existir espaço para: articular a necessidade da aprendizagem, com a consciência da falta de conhecimento do grupo; procurar e receber ajuda, com o exemplo de Wizards, sites especiais e outros; aceder a fontes de conhecimento; compartilhar a solução de problemas com o grupo; arquivar as informações para futuras referências, por exemplo em repositório público; e repetir o processo sempre que necessário, flexibilidade.
A autora propõe vários níveis de interesse que podem ser identificados nos participantes, como sendo a consciência de ajuda especializada aos outros, necessidade de ligação e lealdade com o grupo.
Conclusão
Como conclusão, Lucena afirma que o importante na Comunidade Dinâmica para o Aprendizado é que os participantes estejam satisfeitos com a interação, que a aprendizagem se dê de facto e que entendam os papéis. A proposta é orientada, no final, para especialistas, aos quais propõe que motivem e participem em grupos mais restritos de discussão; e para iniciantes, aos quais sugere a utilização de ferramentas, métodos, locais de navegação e controlo adequados.
Para finalizar, é referida a necessidade contínua de investigação sobre as tecnologias na educação, sistemas instrucionais e participação de projetos cooperativos na Internet, para o respectivo melhoramento.
Comentário crítico
A proposta apresentada elucida a importância do avanço tecnológico e a inserção da Internet na Educação. Perante esta perspetiva, torna-se evidente concordar que cabe a todos os participantes a responsabilidade de atuar segundo um novo paradigma. Segundo Pereira (2008), a tecnologia não é um elemento neutro, condiciona o modo de comunicação e afeta o tipo de trabalho e interação possível. Os aspetos a implementar, quer de interação entre formandos e/ou com os conteúdos, quer de flexibilidade do sistema são condicionados.
Comunidade dinâmica
Perante isto, como proposto pela autora, os ambientes de aprendizagem devem ser repensados. Tendo em conta a referida Comunidade Dinâmica para o Aprendizado na Internet, como um organismo vivo. Pereira (2008), apoiada em vários autores, põe em causa o desenho instrucional rígido, também sugerido por Lucena quando refere que deve ser reexaminado. Todo o processo de ensino e aprendizagem e ambiente são influenciados por experiências prévias, cruzamento de modos diferentes de ver o mundo e o outro, diferentes capacidades, interesses e expetativas (Pereira, 2008), dinâmica própria de um organismo vivo.
Estes aspectos estão identificados por Lucena, sendo os requisitos para a participação em projetos cooperativos na Internet. Daí que a Teoria Construtivista é a base do seu pensamento, apoiando-se especialmente em Vygostsky. Este foca a atenção no aprendente, suas interações e papéis sociais. Como refere Pereira (2008), a tarefa das formações mediadas pelas tecnologias deixa de ser exclusivamente técnica, passando a ser uma atividade de inter-relação sistemática entre criação/seleção, desenvolvimento e uso.
Cenários eLearning
Para além das propostas de revisão já referidas, refere certos aspetos que, a meu ver, deveriam ser mais explorados. Apoiando-me em Pereira (2008), estes novos ambientes, cenários de elearning, podem admitir quatro dimensões distintas (Coomey & Stephenson, 2001, por Pereira, 2008). Diálogo, Lucena propõe o correio eletrónico. Envolvimento, colaboração de todos, professores e alunos na construção de todo o processo, incluindo ferramentas, e não apenas como cooperação, como refere Lucena. Apoio, sugerido por Lucena como o apoio dado pelos especialistas. E controlo, como Lucena refere como característica das Comunidades Dinâmicas para o Aprendizado na Internet.
Ao que Lucena chama de cooperativo, eu arriscaria a chamar também de colaborativo. Pois o diálogo, mesmo com comunicação assíncrona, também existe e de forma contínua, pois tanto alunos como professores interagem entre si.
O desenho instrucional posto um pouco de lado, penso que não deve ser feito na totalidade. Mas sim revisto, adaptado e tido em conta para o sucesso. Contrariando o que a autora afirma na sua conclusão “sem um Desenho Instrucional estabelecido (…) esta aprendizagem natural está produzindo mais efeito”. Deverá haver, e acredito que haja, vantagens na sua existência, como sugerem os vários modelos existentes e testados (Schultz, 2006, p.22,23)
Bibliografia
- Lucena, M. (1998). Comunidades dinâmicas para o aprendizado na internet. In Revista Brasileira de Informática na Educação, Nº 2. Disponível no site http://www.lbd.dcc.ufmg.br/colecoes/rbie/2/1/002.pdf (acedido em 23Nov18);
- Pereira, A. (2008), Cenários de Aprendizagem em Elearning, Working Paper, Universidade Aberta;
- Schultz, R.; Cap 2 – Como começar no Ensino a Distância, In J. Vermeersch (Coord). (2006). Iniciação ao Ensino a Distância, Brussels: Het Gemeenschapsonderwijs.